Percurso Profissional


Percurso Profissional


Comecei a trabalhar ainda com 17 anos num escritório de um stand de automóveis Auto Brasil, fui substituir uma funcionária que estava de licença de maternidade. Foi o meu 1º emprego a sério, as funções que desempenhava eram: arquivar documentos, atender o telefone, dactilografar cartas para clientes e quando era necessário atendia ao público no stand. Durou três meses mas gostei da experiencia. Quando saí do Stand Auto Brasil no final de Outubro, tinha uma amiga a Sandra, que trabalhava numa Retrosaria e me informou que iam precisar de pessoas para a época natalícia, claro que eu aproveitei logo e fui falar com o dono da loja, pois já que tinha surgido a oportunidade não a quis deixar passar. Entrei para a Retrosaria logo em Novembro e basicamente o trabalho era de atendimento ao público, vendia botões, fechos, lãs, agulhas, elásticos enfim tudo o que as costureiras precisam para trabalhar. Não era o trabalho que tinha sonhado mas por um tempo era o que eu tinha decidido fazer, até porque me adaptei facilmente e gostava do atendimento ao público. Era-mos quatro empregadas atrás de um balcão. Posso dizer que consegui desenvolver uma boa relação com as minhas colegas e com o meu patrão mas quando chegou a altura de fazer o meu contrato de trabalho eu pedi para que fosse de três meses, depois logo se via. Apesar de gostar das colegas e de estar a fazer um bom trabalho, não me sentia muito á vontade com a forma como o dono da loja tratava as empregadas, tinha alturas que era muito amigo, outras em que as ofendia verbalmente e mal tratava psicologicamente. Ainda era muito nova e este não era de certeza um sítio onde eu queria trabalhar por muito tempo. Terminei o meu contrato no fim de Janeiro de 1994, como sempre tive uma boa conduta o dono da loja, conversou comigo e disse-me que eu realmente desempenhei bem as minhas funções, mas como tinha sido eu a pedir um contrato curto ele não me podia manter na loja visto que se tinha comprometido com outra colega por um prazo mais alargado. Não me arrependi da minha escolha porque logo em seguida consegui arranjar outro trabalho do qual gostei bastante.
Estive poucos dias em casa sem trabalhar, continuava a ir ás aulas de matemática á noite.  Um desses dias, ao conversar com um amigo (Alexandre) disse-lhe que se estava desempregada e que estava a tentar arranjar algum emprego. Passados poucos dias recebi um telefonema de uma rapariga que eu na altura nem conhecia e que se veio a tornar a minha melhor amiga, que era prima do Alexandre, a quem eu tinha falado que precisava de trabalho. Pelo telefone ela informou-me que trabalhava numa clínica dentária e que precisavam de outra pessoa, combinamos então encontrar-nos num café que ela costumava frequentar de manhã antes de abrir a clínica. Conversa-mos um pouco, explicou-me que o trabalho era para dar assistência a um dos médicos dentistas, coisa que eu nunca tinha feito mas também não havia problema porque não estavam á procura de pessoas com experiência, mas sim de alguém que tivesse vontade de aprender, e eu tinha muita, ainda por cima era na área de saúde e atendimento ao público. O nome da clínica era Medips e pertencia a um médico que era psicólogo na Guarda Nacional Republicana que já tinha outras clínicas noutros pontos do país e resolveu abrir uma em Setúbal. Esse médico de nome dr. Barrote era muito amigo do padrasto da Fátima e então convidou-a para trabalhar na clínica e ser ela a responsável por tratar de tudo o que fosse necessário. Depois da conversa com a Fátima fomos as duas para a clínica para que o médico me pudesse entrevistar, foi tudo muito rápido, o que sei dizer é que no mesmo dia (18 de Fevereiro 1994) comecei logo a trabalhar. A clínica funcionava todos os dias, tinha um acordo com os serviços de saúde da Guarda Nacional Republicana, e tinha um fluxo de pacientes muito grande, porque o sistema de saúde abrangia não só o beneficiário titular do cartão como todo o agregado familiar. A minha adaptação até foi boa, tendo em conta a quantidade de tarefas que nos estavam incumbidas, nós para além de dar-mos assistência aos médicos, que eram dois o Dr. Ricardo e a Drª Cecília, tinha-mos também que fazer atendimento na recepção, a parte administrativa e as limpezas também ficavam por nossa conta. Na altura a Fátima (Mifá) minha colega recebia sessenta mil escudos e eu cinquenta, desempenhava-mos as duas as mesmas funções, mas ela era a responsável pela clínica e tinha ainda a tarefa de levar as toalhas para lavar. Trabalhávamos muito todos os dias, iniciava-mos as consultas ás 10h mas antes tinha-mos que limpar os dois consultórios e esterilizar todo o material utilizado no dia anterior.  Entravamos normalmente ás 9 horas, tínhamos a pausa para o almoço das 13h ás 15h e a hora de saída deveria ser ás 19h mas normalmente terminávamos as consultas sempre um bocadinho mais tarde. Tanto eu como a Mifá adorava-mos o que fazia-mos, mas tornava-se muito cansativo porque o nosso dia de trabalho começava pelas limpezas em que tinha-mos dois gabinetes cada um com uma equipe dentária (cadeira de dentista) em que tinha-mos que limpar e desinfectar as duas turbinas que serviam para introduzir as brocas e brocar ou abrir e limpar cavidades em dentes cariados, um micro-motor que tem a função de com uma broca específica retirar a cárie sem destruir muito a dentina do dente para que este não fique muito fragilizado, o destartarizador que leva uma ponta bicuda metálica que com a vibração retira o tártaro acumulado nos dentes. Tinha-mos também todo material instrumental para lavar e esterilizar no autoclave que é um aparelho que parece um forno em que colocamos as pinças, sondas, espátulas, espelhos, cárpules, boticões e todo material esterilizavel e vai a uma temperatura de 180º a 220º durante meia hora.  Havia ainda para limpar e desinfectar a cuspideira, a luz e o assento da cadeira, os balcões e o chão dos gabinetes e limpar a casa de banho e a sala de espera. A cuspideira era o que mais me custava, porque tinha um filtro dentro do equipamento onde ficavam todas as impurezas aspiradas da boca dos pacientes, mas tinha que ser feito. Para nossa protecção usava-mos sempre bata, máscara e luvas de látex tanto nas limpezas como na assistência ás consultas. Todo material reutilizável era esterilizado e colocado nas gavetas. Nós fazia-mos uma maratona logo de manhã para conseguir-mos ter tudo pronto para quando os médicos chegassem poderem iniciar as consultas. Durante as consultas eu dava assistência ao Dr. Ricardo e a Mifá á Drª Cecilia, (ambos eram dentistas brasileiros) cada um em seu gabinete, nessa altura estavam a chegar ao nosso país muitos dentistas brasileiros, mas estes já cá estavam a algum tempo e eram muito bons profissionais. As consultas tinham a duração aproximada de 30 a 45 minutos dependendo do tratamento. Cada pessoa que entrava para o gabinete eu punha um babete, um copo com água para bochechar, um guardanapo e um aspirador de saliva, tinha que preparar uma cárpule com anestesia, que normalmente era sempre utilizada para que os tratamentos pudessem ser feitos sem dor. Depois de iniciada a consulta e dada a anestesia eu tinha que ficar sempre ao lado do médico a segurar no aspirador de saliva que parece uma palhinha que se coloca na boca para sugar a água que as turbinas deitam. Tudo o que fosse necessário para o tratamento que estivesse a ser feito era eu que ia buscar e colocava no tabuleiro da cadeira para ser utilizado pelo médico. Terminada a consulta eu retirava o babete, o copo, o aspirador de saliva, os tubos e agulhas da anestesia e deitava no lixo normal, tudo o que eram instrumentos metálicos iam para uma cuba de plástico que continha água e desinfectante liquido para os materiais ficarem mergulhados até serem lavados e esterilizados. Nesta altura ainda não fazíamos a separação dos lixos. Depois de tudo limpo era altura de ir á recepção fazer uma guia de tratamento em triplicado, na qual tínhamos que descriminar o tratamento com o código referente e o valor total, de seguida o beneficiário da GNR tinha que assinar e como comprovativo recebia uma cópia. Fazia-mos nova marcação de consulta, caso fosse necessário, e depois de tudo tratado na recepção era altura de voltar novamente a chamar mais um paciente e continuar a trabalhar. O atendimento ao público fazia parte do nosso dia a dia, por vezes era muito fácil mas por outras bem complicado, porque nem todas as pessoas eram relação fácil, principalmente porque sendo militares e pessoas habituadas a um regime militar rígido em que tudo tem que ser como manda a lei por vezes não aceitavam muito bem um atraso nas consultas e ás vezes até reclamavam pela pequena comparticipação que tinham que pagar. Na nossa sociedade existe o conceito que “o cliente tem sempre razão”, o que a meu ver não é muito certo. Acho que as pessoas devem ser sempre esclarecidas em qualquer tipo de situação e de dúvidas que tenham, e depois fica ao seu critério a decisão a tomar, mas pelo menos não ficavam com falta de informação e sem o esclarecimento necessário.
 Nós tinha-mos sempre muito trabalho, e mantinha-mos uma boa relação pessoal e profissional, na altura não existia ainda qualquer outra responsabilidade a nível pessoal e então acho que nos entregamos demais ao trabalho. Cada final do mês tinha-mos um trabalhão para encerrar as contas para a GNR, porque tinha que ser feita uma relação com o nº de cada guia, o nº de beneficiário, o nome e o valor isto tinha que ser feito para todos os pacientes consultados durante o mês e na altura chegava-mos a atender 400 pessoas por mês e a facturar quatro mil contos o que para os médicos e para a clínica era excelentes porque os lucros eram divididos, (metade para a clínica metade para os médicos). Mas a Mifá e eu que tanto trabalhava-mos dentro da clínica pouco ou nada beneficiava-mos desses lucros, pois os nossos ordenados mantinham-se sempre iguais.
O Dr. Barrote, dono da Médips resolveu vender todas as clínicas e contratou o sr. Fialho que era advogado para negociar com as empregadas e tentar que estas assinassem a rescisão de contrato sem direito a qualquer tipo de indemnização e infelizmente em algumas clínicas conseguiu, mas não na nossa porque por mais que tentassem nós já nos tinha-mos informado tribunal de trabalho dos nossos direitos como trabalhadoras dependentes e na nossa situação segundo o código de trabalho tínhamos direito a um mês de salário por cada ano de trabalho, férias, subsídio de férias e de Natal para além do salário. Para além do mais descobrimos que não nos estavam a pagar o salário de acordo com a tabela da nossa categoria profissional (assistente de consultório). Depois de algumas negociações acabamos por receber a indemnização a que tínhamos direito, e a clínica foi vendida.
As médicas dentistas que compraram a clínica eram portuguesas e recém formadas em medicina dentária, moravam em Lisboa. Drª Carla Oliveira e Drª Rita Costa, tomaram posse da clínica em Setembro de 1997, eu continuei na clínica e a Mifá decidiu sair.Fiquei com trabalho redobrado, mas as médicas também não tinham ainda condições financeiras para contratar outra assistente. Algumas coisas tiveram que mudar, passaram a dar consultas dois dias por semana cada uma das médicas e á quarta-feira o dia ficava livre para eu poder ter tempo de tratar de papelada e fazer uma limpeza mais profunda á clínica. As consultas eram marcadas de hora a hora e mesmo assim ás vezes demoravam mais um bocadinho, o normal dos consultórios. Foi uma fase de mudança muito evolutiva, é claro que com o tempo fomo-nos conhecendo e ganhando confiança umas com as outras, as médicas também eram novinhas e cheias de vontade de dar o seu melhor profissionalmente. Foram feitas alterações na forma como esterilizava os materiais, passaram a ser colocados em manga, que são saquetas de papel com um indicador que muda de cor quando vai a esterilizar, mudaram os líquidos de revelação de Rx, e passamos a reservar o líquido usado para serem recolhidos para reciclagem (anteriormente eram deitados no lavatório), compraram materiais novos, alguns que eu não conhecia, começa-mos a fazer a separação do lixo e dos resíduos hospitalares: todo material descartável e sem sangue era colocado no lixo normal, mas as agulhas, tubos de anestesia e suturas eram depositados em recipientes próprios para serem recolhidos por uma empresa própria de gestão de resíduos hospitalares, tal como os líquidos de Rx. Esta empresa tinha que estar licenciada pela Direcção Geral de Saúde para tratamento de resíduos, nós trabalhávamos com a Cannon Hygienne. No final de cada ano a Cannon enviava-nos um relatório com o registo dos resíduos  produzidos pela clínica, e eu logo em Janeiro tinha que preencher o modelo de registo de resíduos e enviar para a Direcção-Geral de Saúde e uma cópia para a Sub-Região de Saúde de Setúbal com a indicação da produção de resíduos do ano anterior e qual foi o seu destino. Passados alguns anos (sete) a clínica mudou também de instalações e eu ajudei tanto na procura da loja, no planeamento e organização do espaço com as divisões de salas, todo mobiliário foi comprado no Ikea e montado por mim e pela Drª Carla. Foi um trabalho demorado, a montagem dos armários até era fácil pois todos traziam manual de instruções. A loja tinha 54 m4 era rectangular, foi dividida em quatro, logo á entrada ficava a recepção ao fundo a sala de espera, e paralelamente á recepção e sala de espera estava o consultório e a sala de esterilização.

Em simultâneo ás obras e ás mudanças também tivemos que tratar do licenciamento, e como as médicas não moravam cá em Setúbal era eu sempre que tinha que tratar de tudo. Em primeiro lugar, e como a loja tinha licença de utilização disseram-nos que tínhamos só que ir á Câmara Municipal de Setúbal e passar a licença para o nome da clínica, mas depois de algumas diligências á Câmara descobri que era bem mais trabalhoso, nessa altura estava grávida e para além de ter prioridade nem sempre podia usufruir desse direito social porque todo o processo burocrático era muito demorado.
Fui informada que afinal a Câmara não era a entidade competente para resolver o nosso problema, tínhamos que tratar do licenciamento como se estivéssemos a abrir uma clínica nova de inicio. Mas apesar desta informação a clínica funcionava diariamente com consultas. Tive também que me dirigir a Direcção Regional de Saúde de Setúbal e pedir informações sobre listagem do que era necessário para tal processo, a qual apresento a seguir que retirei do Decreto-lei nº233/2001 de 25 de Agosto:
  Processo de licenciamento
1. O pedido de licenciamento de uma clínica ou consultório deve ser efectuado mediante a apresentação de um requerimento dirigido ao Ministro da Saúde, através da ARS onde se situa a mesma clínica. 2. Do requerimento devem constar:
  a) A denominação social ou nome e demais elementos identificativos do requerente;
  b) A indicação da sede ou residência;
  c) O número fiscal de contribuinte;
  d) A localização da clínica e sua designação;
  e) A identificação da direcção clínica;
  f) O tipo de serviços que se propõe prestar. 3. O requerimento é acompanhado pelos seguintes documentos:
  a) Cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva ou do bilhete de identidade do requerente e, ainda, do respectivo cartão de contribuinte;
  b) Certidão actualizada do registo comercial;
  c) Relação detalhada do pessoal e respectivo mapa, acompanhada de certificados de habilitações literárias e profissionais;
  d) Programa funcional, memória descritiva e projecto das instalações em que a clínica ou consultório deve funcionar, assinado por técnico devidamente habilitado;
  e) Certificado que ateste que as instalações em que a clínica dentária deverá funcionar cumprem as regras de segurança vigentes;
  f) Certificado, emitido pela autoridade de saúde competente, que ateste as condições higiossanitárias da clínica ou consultório e de acessibilidade das instalações;
  g) Licença de utilização, emitida pela câmara municipal competente;
  h) Impresso de licença de funcionamento de modelo normalizado;
  i) Projecto de regulamento interno.

É claro que o decreto-lei inclui muito mais requisitos, mas pelo menos dá para ter uma pequena ideia da parte burocrática da legalização. Passei a ter todo o tempo muito ocupado, entre consultas, contabilista, finanças, delegação de saúde, bombeiros, câmara e algumas entidades mais que já nem me recordo, tinha que conseguir conjugar tudo. Tudo o que precisasse de assinaturas da gerência eu tinha que levar para a clínica para as médicas assinarem e depois voltar para entregar. Também teve que ser feito um projecto de segurança contra incêndios e intrusão, projecto este que foi elaborado por um arquitecto e foi instalado por uma empresa de Montagem, Configuração e Manutenção de Sistemas de Detecção de Incêndios, Intrusão, C.C.T.V.
   
Lembro-me que só o projecto custou 1000€ e a montagem 600€, todo este processo foi muito dispendioso para a clínica.
A clínica manteve o acordo com a GNR e também tinha  pacientes particulares mas a maioria eram realmente da GNR (ADMG) que por sua vez era suposto fazer o pagamento dos serviços prestados pela clínica num prazo de 90 dias, mas infelizmente eram raras as vezes que  cumpriam esses prazos. Chegava-mos a esperar quase um ano pelos pagamentos atrasados, normalmente era eu que mantinha contacto com o Comando Geral da GNR e falava com o Sargento Veira, responsável pelo departamento financeiro, que nos dava informações de quando haveria dinheiro disponível para efectuarem pagamentos da facturação em atraso. Normalmente a nossa clínica era uma das primeiras a receber assim que houvesse disponibilidade financeira. Entretanto durante o período de espera a clínica ia sobrevivendo com a comparticipação paga pelos beneficiários da ADMG e o pagamento de alguns pacientes particulares que iam aparecendo. Nunca deixaram de pagar o meu ordenado, as despesas e os fornecedores eram sempre pagos a tempo e horas. As médicas é que só conseguiam tirar algum rendimento da clínica quando a GNR efectuava os pagamentos.
Em 2007 as médicas resolveram informatizar a clínica e adquirir um software para gestão da clínica, pacientes e facturação – Dentwin  era o seu nome, o que veio a facilitar muito o meu trabalho na recepção. Já não tinha que fazer toda a facturação manualmente passou apenas a depender de um click na tecla facturar, é claro que diariamente era retirada a folha de caixa e confirmada com as consultas dadas e tratamentos efectuados. No final do mês retirava a facturação mensal total para a GNR, mas confirmava sempre com a facturação diária para ver ser estava tudo correcto. Tinha o meu trabalho mais leve e organizado. Também era eu que desde sempre fazia as encomendas e compras de material necessário ou em falta, preenchia os cheques para os pagamentos e fazia as transferências bancárias pela internet, tínhamos os códigos de acesso á conta bancária da clínica online, eu fazia as transacções na clínica com o código da drª Carla e a drª Rita confirmava em casa com o código dela. Tudo acabava por passar sempre pelas minhas mãos, costumávamos dizer que era eu que geria a clínica, nos dias de consulta as médicas chegavam tratavam os pacientes e tudo o resto ficava por minha conta, desde limpeza do consultório, esterilização de material, limpeza da cadeira, lubrificação de turbinas que tinha que ser feita todos os dias, tínhamos um compressor na casa de banho que estava dentro de um armário isolado e com protecção sonora, que tinha que ser sangrado também pelo menos uma vez por semana.
  
Para isso eu tinha que o desligar, colocar uma taça por baixo da válvula de sangramento e desaperta-la, deitava sempre todo o ar comprimido e alguma água também. Terminado a sangramento voltava a liga-lo, mas tinha sempre que ter o cuidado de o desligar todos os dias á noite antes de sair do consultório, porque a loja era num rés do chão e por cima estava habitado. Não era de nada agradável ouvir o seu barulho durante a noite. Passamos a fazer marcações de consultas para dois dias por semana, não que não existissem pacientes mas porque as médicas tinham a vida delas toda em Lisboa e com a chegada dos filhos todas as pessoas têm que fazer algumas alterações na sua rotina diária. Ambas foram mães e como também tinham consultórios em Lisboa decidiram vir menos vezes a Setúbal, condicionamos mais as consultas mas tínhamos bastantes pacientes á mesma. As pessoas gostavam muito delas e já tinham uma grande amizade para connosco, afinal já funcionávamos em equipa á 10 anos e muitos pacientes acompanharam-me desde a época dos médicos brasileiros. Com muita pena nossa e de muitos pacientes, as médicas acabaram por tomar a decisão de vender a clínica, para poderem ter mais tempo disponível. Depois de tantos anos juntas tinha chegado a hora de nos separarmos. Foi um tempo de mudança para as três, eu gostava muito do que fazia, sempre adorei trabalhar com as pessoas, muitas delas ás vezes aproveitavam o tempo em que esperavam pela consulta para desabafarem um pouco das suas tristezas e angustias, também partilhavam momentos de felicidade, falavam-me dos filhos, e os netos eram sempre motivo de orgulho para elas eram o sol na sua vida. Era muito bonito ver o amor no olhar de cada pessoa quando falavam das pessoas que mais gostavam. Partilhei muitos momentos bonitos naquela clínica, com as minhas patroas e com os pacientes, ainda hoje encontro pessoas com que ficaram guardados laços de afinidade muito fortes. Foi-me dada a opção de ficar na clínica a trabalhar com pessoa que a ia comprar, mas eu decidi ir trabalhar para o laboratório de prótese que trabalhava connosco (clínica). Eu adorei o trabalho que fazia no consultório, mas a certa altura sentia necessidade de fazer e aprender coisas novas, e esta era a minha oportunidade. Resolvi aproveita-la até porque já conhecia muito bem o técnico de prótese com quem ia trabalhar. Como decidi ser eu a sair, não fui despedida, pensei que não iria receber qualquer recompensa ou indemnização, mas as minhas patroas decidiram recompensar-me por todo o meu desempenho dentro da clínica durante tento tempo. Achei uma atitude muito bonita, porque durante anos eu dei sempre o meu melhor, sempre tive o meu ordenado que era o que estava estipulado na tabela. É certo de que desempenhei muito mais do que as funções de assistente de consultório, mas no final tive uma boa recompensa. Recebi a indemnização, declaração para o subsídio de desemprego, caso não me adaptasse no laboratório, e em termos emocionais foi muito gratificante perceber que todo meu trabalho tinha um significado mais profundo durante anos foram criados laços de amizade muito fortes entre nós, ainda hoje somos amigas continuamos a manter o contacto e a partilhar momentos importantes juntas.
Saí do consultório no fim de Novembro de 2008, e entrei logo em Dezembro para o laboratório.