Infância e Percurso Escolar
Sou a Vera Lúcia Francisquinho Augusto, nasci dia
22 de Abril de 1976 no Hospital São Bernardo em Setúbal. Sou filha de Maria
Manuela Francisquinho Augusto e Carlos Augusto moravam nas Pontes, uma
localidade nos arredores de Setúbal. Nessa altura, em 1976 ainda não tinham
casa própria, vivia-mos no Bairro do Capador num anexo no quintal dos meus avós
paternos que o meu pai construiu pelas suas próprias mãos.
Os meus pais
trabalhavam ambos numa fábrica de móveis de nome: Famosa, situada nos arredores
de Setúbal mais propriamente na Loja Nova perto de Gâmbia. O meu pai era
distribuidor de móveis e a minha mãe estava na parte de montagem e
envernizamento, mas também tinha que carregar com móveis pesados, até mesmo na gravidez.
Não existiam cá direitos de maternidade, tinham que cumprir com a sua obrigação,
existiam sim alguns colegas conscienciosos que por vezes a ajudavam. Com isto
passou uma gravidez um pouco difícil e um mês antes da data prevista para o
parto teve que ser internada no Hospital de Setúbal devido a estar com a tensão
arterial muito elevada (hipertensão), e os níveis de albumina alterados.
Passados quinze dias de internamento eu decidi sair da protecção do leito
materno e vir conhecer o mundo cá fora, e tudo o que por mim esperava. Nasci
uma menina saudável mas muito pequenina, com um ano de idade tive uma crise de
aftas múltiplas (estomatite aftóide), que demorou uma semana a combater, semana
essa que passei sem comer. Tive que abdicar do meu primeiro “vício” a chupeta
da qual eu tanto gostava, mas com tantas lesões na boca tornava-se impossível
suportar a comida e tudo o que fosse destinado á boca. Passada esta fase voltei
a ter uma vida de menina saudável, com algumas mudanças, mudanças essas que me
marcaram na altura mas que foram necessárias para o meu desenvolvimento
pessoal.
Infância
Na minha infância, fui
criada por uma ama, da qual eu gostava bastante de nome Margarida que morava
quase em frente á casa dos meus avós paternos. A minha mãe deixava-me bem cedo
na casa da vizinha Margarida (por volta das 7h). Eu brincava sozinha durante o
tempo que lá estava porque não tinha ali perto meninos para brincar. A mãe voltava
ao final do dia para me ir buscar e levar para casa. Enquanto a mãe tratava do
jantar eu brincava na sala ou por vezes ficava a contempla-la na minha
cadeirinha na cozinha. Depois do jantar feito era a hora do banho, do creme, do
pijama e finalmente jantar. Certo dia apanhei a mãe distraída a preparar a
refeição e resolvi voar da cadeirinha e fui parar debaixo da mesa da cozinha,
que grande susto, por mais que os pais queiram cumprir as normas de segurança
de protecção para as criancinhas, nós os filhos conseguimos sempre superar e
arranjar forma de quebrar e ultrapassar algumas barreiras, sem essa
consciência, é claro.
Aos dois anos de idade fui obrigada a separar-me dos meus
pais, a minha mãe teve que ser operada de urgência ás amígdalas, como foi uma
cirurgia que acabou por se complicar e a mãe teve que ficar internada, o meu
pai tinha que continuar a trabalhar e cuidar da minha mãe, então entregou-me
aos cuidados dos meus avós maternos que viviam no Monte Novo de Palma perto de
Alcácer do Sal. Durante um mês fiquei então com a avó Josefina e o avô Custódio.
Apesar de não ter recordações dessa fase da minha vida, acredito que não deve
ter sido uma separação fácil.
Por volta dos três anos a minha ama de quem eu tanto gostava
resolveu voltar para a terra em Vendas Novas, lá tive eu que alterar os meus
hábitos diários novamente. Felizmente lá no bairro morava a tia Vitória que
também ficava com crianças e aceitou-me na casa dela onde também fui bem
tratada e aí sim, já tinha amiguinhos para brincar, compartilhar brinquedos e
brincadeiras de meninos inocentes de tenra idade.
Os meus pais a certa altura tiveram a hipótese de se
associarem numa cooperativa de habitação que estava a ser criada na altura, que
iria construir um bairro muito perto de onde nós morava-mos com 72 moradias.
Esse bairro foi construído, e lembro-me que na altura as
pessoas eram muito mais unidas, trabalhavam em conjunto para o bem pessoal de
todos os que para lá iam morar. Lembro-me que alguns dos sócios aproveitavam os
seus conhecimentos a nível profissional, e quando tinham algum tempo livre ou
no fim-de-semana, iam trabalhar para as ditas moradias a fim de adiantar
trabalho e poupar algum dinheiro em mão de obra. O meu pai foi uma dessas
pessoas, a construção civil também fazia parte da sua vida profissional, e ele
nunca foi uma pessoa de se acomodar e esperar que as coisas aparecerem feitas.
Recordo-me das obras, e de andar atrás do meu pai a tentar ajudar,
provavelmente queria sentir-me útil ao poder dar o meu contributo para uma coisa
que também ia ser minha. “ A minha casa nova”
Depois das moradias
prontas, no verão de 1981 o Bairro da Cooperativa de Habitação Força de Todos,
foi então inaugurado com uma grande festa para todos os sócios. Fomos então
morar para a casa nova, tinha um quarto só para mim, muitos amiguinhos da minha
idade e alguns mais crescidos para brincar, jogar ás escondidas, á apanhada,
andar de bicicleta, enfim todas essas brincadeiras saudáveis que nos eram
permitidas ao ar livre. Lembro-me de no verão brincarmos na rua até ás tantas,
não havia trânsito, as ruas também ainda não estavam alcatroadas e nós andava-mos
ali a brincar á vontade. Claro que os nossos pais estavam sempre por perto, até
porque as pessoas que ali viviam eram mais ou menos da mesma faixa etária, e
aproveitavam para confraternizar enquanto os filhos se divertiam com as
brincadeiras de rua. Felizmente morava-mos no campo e podia-mos ter alguma
liberdade de expressão e criação ao ar livre. No bairro existiam um grupo de
pessoas que pertenciam á direcção administrativa da Coop. que estavam sempre muito empenhados em organizar grandes
festas, principalmente em épocas festivas como o Natal, Páscoa e 25 de Abril.
Lembro-me das festas de Natal, em que todas as crianças do bairro participavam,
era uma alegria sempre que nos reunia-mos á noite para o ensaio, uns mais
envergonhados do que outros mas acho que todos conseguia-mos ultrapassar os
nossos medos através da coragem e do incentivo que nos era transmitido pelos
nossos pais e ensaiadores de grupo. Passado o mês de ensaio chegava o grande
dia, quando subia ao palco lembro-me do friozinho na barriga, penso que todos o
sentiam, os meus olhinhos percorriam a plateia (que era enorme) á procura de
algum conforto por parte de amigos e familiares. A plateia estava cheia, o
salão era enorme, e nós era-mos as estrelas da festa. O medo de me esquecer dos
passos de dança ou do texto da peça de teatro era devastador, felizmente corria
tudo bem. É como tudo na vida, o mais difícil é começar. Uns cantavam outros
dançavam e representavam, e terminada a actuação regressávamos todos ao palco
para agradecer aquele calor humano e carinho que todas as pessoas da plateia
demonstravam pelo nosso desempenho, era muito gratificante. No final havia
sempre uma lembrança para todos participantes, (normalmente era um brinquedo
simbólico e um saquinho com doces) e um grande lanche para quem tinha actuado e
para o público também. Esta vivência de certa forma ensinou-nos desde
pequeninos a estarmos integrados em grupo, e a funcionar como um todo, porque a
responsabilidade do bom desempenho da festa era nossa (grupo).
No 25 de Abril, havia novamente festa mas desta vez era
celebrada de maneira diferente. Lembro-me de ouvir as pessoas dizer que festejava-mos
a liberdade, obvio que na altura (com cinco anos) o meu interesse pelo assunto
era um pouco limitado, interessava-me muito mais o convívio e as provas
desportivas das quais eu podia participar do que pensar em coisas e histórias
de adultos. O grupo cultural do bairro onde morava e a direcção do clube de
futebol das Pontes organizavam concursos com provas desportivos onde todos podia-mos
participar em corridas, gincanas, jogos da malha, futebol, ciclismo, etc. Tudo
isto para festejar uma data importante da história do nosso país que só mais
tarde lhe conseguir dar entendimento.
Eu sempre fui uma menina muito aventureira, e não posso deixar
passar um episódio que aconteceu tinha eu cinco anos e a minha mãe ainda hoje
fala nele. A minha mãe precisou fazer algumas compras e deslocamo-nos (eu e a
mãe) de autocarro até á cidade, a minha mãe lá fez as compras que precisava , e
a seguir tinha que ir ao banco, mas nessa altura os bancos ainda fechavam ás 12
horas. Como estávamos um pouco atrasadas e eu conhecia o caminho para o banco
achei por bem ir á frente e pedir ao senhor para não fechar as portas, que a
minha mãe estava a chegar, mas esqueci-me de dizer á mãe o que ia fazer.
Resultado a mãe deixou de me ver, não sabia onde eu estava, achou que eu estava
perdida, voltou para traz aflita á minha procura, diz que já não sabia o que
fazer quando se lembrou de ir ao banco, lá estava eu á porta á espera dela.
Enfim coisas que se fazem sem pensar nas consequências, acho que é próprio das
crianças.
Continuando o meu percurso, no inicio de 1982 o meu pai foi
trabalhar para uma empresa de construção civil a Betãosil, era motorista de uma
bomba, que era utilizada para fazer a betonagem do betão (cimento) para as
placas dos prédios. Nessa altura todo o país estava em crescimento,
principalmente o Algarve devido ao desenvolvimento turístico, e devido a este
crescimento o sector da construção civil também estava em alta. Assim sendo, o
meu pai mal começou a trabalhar na Betãosil foi logo transferido para o
Algarve, mais propriamente para Lagos, passou a vir a casa de mês a mês, o que
para mim não era suficiente. Todos os dias eu ficava ao portão a chorar á
espera que o meu pai chegasse, tinha na altura acabado de fazer os seis anos e não
conseguia aceitar o facto de todas as minhas amigas terem os pais em casa ao
fim do dia de trabalho e o meu estava tão longe que nunca chegava. Passado o 1º
mês a minha mãe também já não aguentava tanto choro, e o meu pai quando veio a
casa deu-me a boa notícia de que nos ia levar com ele para Lagos, fiquei muito
contente, não me agradava a ideia de ficar mais tempo longe do pai. Lá fomos os
três rumo ao Algarve, para mim era tudo novidade, estávamos no fim da primavera
e não podíamos ter escolhido melhor época do ano, os campos estavam todos
floridos o sol já estava tão quente que podíamos começar a época balnear sem
preocupações de alterações climáticas. Ficamos a viver numa roulotte dentro de
uma quinta que pertencia ao dono da firma para a qual o meu pai trabalhava, não
era uma casa é certo mas tinha todas as condições para que lá pudéssemos viver durante uns meses.
Logo ao lado existia uma casa de madeira pré fabricada que pertencia ao patrão
do meu pai, que por sinal era francês, ele e a esposa a dona Rosette, eram
pessoas muito boas e acolheram-nos como se fosse-mos família. Foram tempos
inesquecíveis para mim, levantava-me cedinho para ir passear com o pai da dona
Rosette, que já tinha uma idade muito avançada mas gostava de fazer os seus
passeios matinais e eu adorava acompanha-lo. Andava-mos no meio dos campos com
as amendoeiras em flor, passava-mos pela praia e ás vezes íamos até á obra onde
o meu pai estava a trabalhar para pedir boleia para casa porque a hora de
almoço já estava próxima e nós já tínhamos andado tanto que já não conseguíamos
voltar para traz. A mãe e a dona Rosette apanhavam com cada susto com medo que
nos perdesse-mos, porque eu era uma miúda e pouco conhecia Lagos e o pai da
dona Rosette já era velhote, sofria do coração e pouco falava português, mas
nós entendíamo-nos lindamente. Á tarde o calor era muito intenso e nós (eu e a
mãe) ia-mos para a casa da dona Rosette onde eu aproveitava para aprender a
escrever e a ler e ainda havia tempo para umas aulas de francês. Ao fim do dia
o pai regressava do trabalho, e por volta da 18horas ainda ia-mos os dois um
bocadinho para a praia, enquanto a mãe preparava o jantar. Conheci pessoas novas,
de todas as idades, nacionalidades e estatutos sociais. Para mim eram todos
diferentes, mas todos iguais e todos mereciam o meu respeito e admiração. Rapidamente
adoptei a pronúncia algarvia e quando entrei para a 1ª classe em Setembro, já
parecia uma algarvia de gema. Adorei os meus colegas e a professora que era uma
querida, e tinha um método de ensinar as cores excelente, que todos nós adorávamos.
Para cada cor existiam alguns rebuçados que nós ia-mos comendo e aprendendo as
cores de muito bom grado. No fim do Outono o trabalho do pai tinha terminado e
era hora de regressar a casa e deixar para traz todos os momentos magníficos
que tinha vivido naquela linda terra e todas as pessoas que tinham sido tão
doces e acolhedoras para mim e para os meus pais.
De regresso ás Pontes, á família, á minha casinha e aos meus
amigos, continuei as aulas na escola primária perto de casa onde todos os meus
colegas me receberam lindamente, até porque muitos deles eram os meus
amiguinhos do bairro. O que mais estranhei neste regresso foi o clima porque
parecendo que não o sol lá em baixo no Algarve dura mais e é mais quentinho mas
enfim a adaptação não foi difícil. Na escola também me integrei facilmente, eu
aprendia rápido e a professora do Algarve já tinha dado a matéria que estava a
ser dada na altura. Continuei com muitos destes colegas até á 4ª classe a qual
terminamos com bom aproveitamento, como era classificado na altura. Nesta fase
da minha vida uma parte das minhas férias de verão eram passadas na casa dos
meus avós maternos, eles viviam bem no meio do campo, o meu avô era feitor de
uma herdade “ Herdade de Monte Novo de Palma”. Era delicioso poder andar no
meio dos campos de cevada, passear ao lado das vacas, cães, galinhas, patos,
ali andava tudo á solta. Para mim era óptimo, eu adorava e continuo a adorar
animais, campo e ar livre. Ao fim da tarde era altura para um banho no canal,
este tinha uma passagem baixinha e dava perfeitamente para dar umas banhocas.
Aprendi a tratar da criação (galinhas, patos, pombos, coelhos), apanhar figos
de pita que são aqueles figos que nascem dos cactos e tinham que ser apanhados
com muito cuidado porque largavam muitos picos, fazia bolos com a avó,
percorria os campos com o meu avô quando e ainda arranjava tempo para brincar
com uma amiguinha que também passava as férias com os avós. Este era um
ambiente que eu realmente adorava, mas ao fim de três, quatro semanas começavam
a chegar as saudades de casa e dos meus pais. Apesar de os meus avós cuidarem
muito bem de mim e me proporcionarem momentos inesquecíveis eu não conseguia
ficar mais tempo longe de casa. Lembro-me de uma vez que eu já estava desejosa
de voltar para casa e ainda faltava uma semana para os meus pais me irem
buscar, o meu pai era caçador e tinha ido caçar naquele domingo com os colegas
para o Pinheiro, que era perto da casa dos meus avós. Resultado, ao fim do dia
pararam para lanchar num chamado casão velho que existia mesmo perto do monte
onde viviam os avós, e foi-me visitar, eu já estava cheia de saudades e queria
ir para casa mas o pai não me podia levar com ele não tinha lugar para mim na
carrinha da caça. Foi embora com os colegas, mas a meio da semana teve que
voltar ao monte para me ir buscar porque adoeci com febres muito altas derivado
a uma amigdalite, acho que as saudades eram enormes e o meu corpinho não
resistiu. Era altura de regressar a casa, recuperar e aproveitar
o resto das férias de Verão.
E logo a seguir era altura de começar uma nova etapa, o 5º ano
que já não ia ser na escola perto de casa, mais sim na Escola Luísa Tody, no
Monte Belo. Nós era-mos pequenos, eu tinha 10 anos, mas para mim era um desafio
andar de autocarro e ir sozinha com os colegas para a escola, sem os pais por
perto. Era altura de começar a ser um bocadinho mais responsável por mim e
pelas minhas coisas, se bem que eu já me sentia uma menina crescida e responsável
visto que em casa quem ajudava a mãe com a lida doméstica era eu, aprendi muito
cedo a fazer de tudo um pouco, desde limpezas, comida e doces. Na escola tudo corria
lindamente e terminado mais um ano lectivo e com boas notas havia sempre uma
prendinha de recompensa pelo bom aproveitamento escolar, o inicio das férias desta
vez foram aproveitadas para fazer uma cirurgia ás amígdalas, que até ali tinham
sido a causa de muitos dias de cama com febres muito altas, febres essas que só
sediam com injecções de penicilina que eram a coisa mais dolorosa que eu tinha
experimentado em toda a minha vida. A cirurgia foi feita na clínica do Dr.
Henrique Souto, os meus pais tiveram que utilizar todas as suas poupanças para poderem
pagar a cirurgia. Foi a minha 1ª experiência cirúrgica, cheguei á clínica sem
saber muito bem o que me esperava, a assistente do Dr. era muito simpática e á
medida que ia preparando as coisas ia-me explicando o que se estava a passar.
Depois de todos os preparos chegou a fase de me enrolar num lençol preso com tesouras
cirúrgicas para que não me pudesse mexer, a seguir veio uma máscara com
anestesia á qual eu não achei muita piada e de cada vez que me sentia a
adormecer pedia para parar, até que adormeci e o médico procedeu com a
cirurgia. Como felizmente correu tudo bem, o médico autorizou a minha ida para
casa logo após ter terminado a cirurgia, lembro-me de acordar da anestesia já á
porta de casa. Depois de entrar em casa, aí sim começou a fase mais complicada,
porque o pós operatório não foi assim tão fácil. Assim que fiquei consciente
comecei a ficar muito indisposta e todo o sangue que eu tinha engolido na
cirurgia saiu cá para fora, depois disso veio a parte que supostamente seria a
mais fácil - os cuidados pós cirúrgicos, que neste caso seriam:
Comer tudo frio e mole,
desde gelados, iogurtes, sopas, batidos, sumos de fruta, leite, etc. Todos
estes cuidados iriam ajudar o sangue a coagular e os tecidos moles a
cicatrizar. Até aqui tudo bem, mas a minha grande dificuldade era engolir, mas
ao fim de três dias sem conseguir comer nem um geladinho, lá consegui engolir
uma bela sopa de caldo verde que até hoje á a minha preferida. Foram duas
semanas de dieta forçada, mas que eram necessárias para uma boa recuperação.
Passada esta fase ainda consegui aproveitar um bocadinho do Verão para fazer
brincar com os amigos e fazer uns dias de praia.
Com o Setembro á porta, as aulas estavam a chegar e tudo ía
voltar á normalidade, mas uma grande surpresa estava para chegar. Á muito tempo
que eu andava a pedir um mano aos meus pais, mas eles não se mostravam muito
receptivos á ideia. Depois de muito chorar, á espera de um mano, lá veio a
noticia que a mãe estava grávida, para mim foi a melhor coisa que me podia ter
acontecido. Na altura tinha doze anos quase a fazer os treze, e achei uma
delicia poder assistir ás eco grafias e ver o meu irmãozinho pequenino dentro
da barriga da minha mãe. No dia em que o médico disse que a mãe ia ter um
menino dei pulos de alegria. E no dia 2 de Outubro de 1989 nasceu o bebé. Eu estava
muito ansiosa para saber como estava a mãe e o mano, e consegui telefonar para
o hospital de uma mercearia perto de casa, porque na altura ainda não tinha-mos
telefone em casa, e a enfermeira que me atendeu disse-me que estava tudo bem e
que a mãe tinha tido uma menina. Não foi nada fácil para mim, estava
mentalizada que ia ter um irmão, chorei bastante de tristeza mas é obvio que ia
gostar tanto de uma menina como de um menino. Felizmente falei com o pai e a
enfermeira tinha feito confusão e baralhou as coisas e eu realmente tinha era
um irmão. Senti novamente um misto de emoções, estava feliz pelo meu irmão, mas
um bocado zangada com a enfermeira porque me tinha enganado. Enfim acabei por
perceber que a intenção dela era dar a informação pedida, mas como tinha havido
um problema com uma menina provavelmente fez confusão. Foi uma festa para mim
ainda por cima um primo meu fazia anos nesse dia, fartamo-nos de festejar.
A mãe e o mano tiveram
que ficar no hospital uns quinze dias, porque ele tinha nascido um mês mais
cedo e tinha um pouco de icterícia, então teve que ficar na incubadora até normalizar.
Quando a mãe foi para casa com o meu irmãozinho para mim era tudo novidade, mas
foi uma fase que adorei. Tinha treze anos e aprendi a tratar dele como se fosse
meu filho, tomava conta, ajudava no banho, a mudar a fralda, só não dava mama
porque isso cabia a mãe. Certo dia a mãe estava a dar banho ao bebé e eu estava
ali perto, quando a mãe o deixou escorregar na banheira e ficou tão assustada
que em vez de o puxar para fora da água ficou paralisada, sorte que eu estava
atenta e puxei-o para fora da banheira num abrir e fechar de olhos. Instinto de
sobrevivência, acho eu que lhe posso chamar assim, o que é certo é que nem sei
como o fiz. Mas com toda esta excitação não me podia esquecer da escola e nesse
ano as coisas começavam a ficar mais sérias….
Adolescência
Acho que posso considerar que os sintomas da adolescência, já
se começavam a fazer sentir por esta altura (com treze anos), frequentava o 7º
ano na Escola Ana de Castro Osório situada na Bela Vista. Nessa altura já tinha
disciplinas novas, uma delas o francês porque iniciei o 1º ciclo com o inglês. Eu
achava o inglês com uma pronúncia mais bonita, gostava mais. Claro que não
percebia nada de francês, mas a professora também não facilitava muito, dava a
matéria mas não perdia muito tempo a explicar a quem tinha duvidas. Obvio que
se eu já não gostava muito, sem entender nada ainda pior, os primeiros testes
foram negativos e acabei por ter negativa a francês no 1º período. A minha mãe
na altura trabalhava de empregada doméstica na casa de uma professora, que dava
aulas de francês e português, (sorte a minha) quando a minha mãe lhe contou o
sucedido ela dispôs-se logo a dar-me explicações e assim passei a sair da
escola e a ir lá para casa aprender o francês. Gostei da forma como me foi
explicado e eu até aprendia rápido, tinha era que perceber o que era ensinado.
Resultado no 2º período o primeiro teste que fiz tive um Muito Bom de 80 e tal
%, a professora ficou muito surpreendida mas achou que o mérito não era meu
pois passar de uma negativa para uma nota tão alta não era possível. Tive que
lhe explicar então que não tinha copiado, até porque os meus colegas de
carteira e do lado tinham notas mais baixas, e que andava a ter explicações de
francês e que tinha conseguido aprender num mês e meio o que não tinha
entendido no 1º período. Regra geral tinha boas notas ás outras disciplinas e
passei sempre sem dificuldades sem repetir nenhum ano. A escola tinha muito má
fama e embora estivesse situada num dos bairros mais problemáticos de Setúbal,
durante os três anos lectivos que andei nesta escola nunca tive qualquer tipo
de problema nem dentro nem fora da escola, e até tinha alguns amigos de raça
negra com quem tinha uma boa relação. O que é certo é que era um bairro social
e com uma grande mistura de raças e de etnias diferentes que por muitas vezes
arranjavam conflitos entre eles e por vezes assistia-se a tiros, pancadaria e
rixas. Acho que a etnia cigana era a mais problemática na altura, eles chegavam
a provocar as pessoas só para arranjar conflitos, e quem tentasse fazer-lhes
frente eles partiam para a pancada sem dó nem piedade. Ainda me lembro de um
colega que andava, na chamava-mos nós escola de cima que é a Escola da Bela
Vista, que no fim do dia estava na paragem do autocarro á espera que este chegasse,
como todas as outras pessoas incluindo eu, quando um pequeno grupo de pessoas
de etnia cigana e negra se aproximou, e sem percebemos como nem porquê,
gerou-se uma cena de pancadaria com esse rapaz que acabou com a chegada da
policia e da ambulância. Não sei se ninguém conseguiu, ou se ninguém se atreveu
a meter lá no meio para separar. Foi uma briga muito feia e eles eram todos
maiores que nós, mas a minha vontade realmente era saltar lá para o meio e
parar com aquela atrocidade. Claro que não o ia fazer nem tinha capacidades
para isso, mas alguma coisa tinha que ser feita. A partir daí a polícia passou
a fazer rondas todos os dias nas horas de saída de mais fluxo de estudantes.
Apesar destes incidentes eu e as minhas colegas continuávamos a ir para a escola,
ás vezes com algum receio mas com a esperança que não nos acontecesse algo do género,
até porque atravessava-mos o bairro todo a pé. O autocarro que vinha das Pontes
não passava pela Bela Vista, então nós tinha-mos que sair ou na Camarinha ou na
Praça de Portugal e ir a pé para a escola. Era um pouco longe e arriscado, mas
como todos os jovens nós nem pensávamos no risco, gostávamos de andar a pé e
assim poupávamos tempo e dinheiro porque não tínhamos que sair de casa mais
cedo para apanhar um autocarro para Setúbal e a seguir outro para a Bela Vista.
Frequentei esta escola até ao 9º ano e depois passei então
para a escola de cima (Escola da Bela Vista) e aí sim, já tive que pensar mais
a sério na área profissional que queria seguir. Nas férias aproveitei a praia o
máximo que pude, normalmente ia-mos sempre uma semaninha para o Algarve, mais
precisamente para Quarteira, eram uns excelentes 15 dias passados praticamente
na praia, as noites eram para passear e fazer amigos novos e ás vezes de outras
nacionalidades. No regresso do Algarve chegamos mesmo a tempo das vindimas, no
principio de Setembro têm inicio a apanha da uva para depois ser vendida ou
transformada em vinho. No bairro onde eu morava todos os anos por esta altura
costumava aparecer uma srª que tinha o nome de Emília, para contratar pessoas
para as vindima. Ganhava-se muito bem na altura, tudo bem que não era um
trabalho leve mas fazia-se bem. Nesse ano eu resolvi ir também experimentar e
adorei, tínhamos que usar luvas, chapéu para proteger do sol que ainda era
muito quente, e roupa apropriada, para apanhar as uvas utilizava-mos uma
tesoura de podar, assim cortava-mos os cachos de uva sem danificar as
parreiras. Saía-mos de casa cedinho por volta das 7h30m ia um autocarro
buscar-nos e levava-nos até á vinha que era um pouco antes de Azeitão numa zona
muito bonita por traz da Serra da Arrábida e aí passávamos o dia todo a
vindimar, fazíamos uma pausa de uma hora para almoçar e depois continuávamos
até ás 17h da tarde que era a hora de terminar, normalmente apanhava-mos as
uvas para dentro de uma celha grande de plástico e depois tínhamos que as
carregar até ao tractor. Cada uma, cheia, devia pesar uns 20 quilos, eu não
conseguia levar uma celha sozinha, tinha que pedir sempre ajuda a algum colega.
Todos trabalhavam em equipa e ajudávamo-nos uns aos outros para que o trabalho
fosse bem feito e sem grandes estragos ou atrasos. Demorou uma semana completa
e no último dia fez-se uma grande festa, as mulheres levaram bolos, os homens
levaram garrafas de bebida e no fim do dia juntamo-nos todos e toda gente
comeu, bebeu, dançou e cantou foi uma grande festa, termos feito um bom
trabalho no tempo pretendido merecia ser comemorado. É claro que eu também quis
beber um copito, e acabei por beber Moscatel que como é docinho e estava
fresquinho, quando dei por isso já tinha bebido quase uma garrafa. Escusado
será dizer que depois desse dia nunca mais bebi Moscatel, mas é á nossa custa
que aprendemos e a mim serviu-me de emenda porque quando cheguei a casa ai
morrendo de mal disposição, nunca tinha bebido e ainda por cima tanto de uma
vez. Mas tirando este contratempo foi muito gratificante para mim, porque
ganhei o meu primeiro dinheirinho e pude comprar o meu 1º relógio Swatch que eu
andava a namorar já a algum tempo e umas roupinhas. E ainda deu para guardar
algum dinheiro. Acabada a temporada de férias as aulas para o 10ºano começaram e
a área escolhida foi a de saúde, era a que mais me cativava, poder dar o meu
contributo á sociedade de uma forma benéfica seria realmente trabalhar na área
de saúde. As aulas que mais gostava eram realmente relacionadas com a saúde e bem-estar
do ser humano, adorava Socorrismo o nosso professor era excelente e amava o que
fazia, talvez por isso nos passasse todo o seu conhecimento de uma forma tão
simples mas tão perfeita que todos queriam assistir ás suas aulas. Fazia-mos
exercícios práticos uns com os outros, por vezes utilizávamos uma boneca
anatómica, aprendemos tudo o que um bom socorrista deve saber para que numa
situação de emergência possa prestar os primeiros socorros a alguém em caso de
acidente. Psicologia e Filosofia eram mais duas disciplinas que me despertaram
interesse, o desenvolvimento pessoal do ser humano, a mente e as suas capacidades
psíquicas eram áreas que para mim me deslumbravam, ainda hoje me interessam.
Terminei o 11º ano e deixei por acabar a disciplina de matemática de 10º e 11º ano,
matriculei-me então na Escola Sebastião da Gama antiga escola Comercial para
fazer as disciplinas em falta no período nocturno.